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Especialistas analisam concursos para altos cargos do sistema de justiça Webinar debateu desafios institucionais com foco na redução das desigualdades raciais O alto custo da preparação para um único concurso, com candidatos passando por todas as fases da seleção, durante 18 meses, que atingiu R$ 36 mil em média, como ocorrido no I Concurso Público Nacional Unificado para a magistratura do trabalho, acentua as dificuldades de acesso a estas vagas, principalmente pela população negra. Esta foi uma das conclusões que marcaram o webinar realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), nesta quarta-feira (9/2), e que contou com especialistas convidados e pesquisadores do Ipea. No evento, os participantes analisaram as desigualdades raciais nos concursos para altos cargos e o perfil de recrutamento, principalmente no Judiciário e no Ministério Público, durante o terceiro encontro virtual do ciclo de debates sobre Ações Afirmativas no Serviço Público. O webinar debateu quatro estudos sobre essa temática, publicados na edição de número 31 do Boletim de Análise Político-Institucional (Bapi), produzido e editado pelo Ipea. Além de avaliar a implementação de ações afirmativas para negros e negras no serviço público, os autores apontaram perspectivas e apresentaram recomendações, tendo em vista o fim da vigência da Lei nº 12.990/2014, que prevê a reserva de 20% das vagas oferecidas a esse público nos concursos federais. A vigência da legislação está prevista para terminar em junho de 2024. Os Na abertura, pesquisadora do Ipea Luseni Aquino, que mediou as palestras no webinar, destacou a importância de se debruçar sobre os concursos realizados pelo Ministério Público e o Judiciário, tendo em vista seu papel no sistema brasileiro de justiça, onde predominam carreiras elitizadas em função da origem social de seus membros, que têm um padrão remuneratório elevado, em que a lei de cotas e as ações afirmativas são importantes no tensionamento dessas ações e seus impactos no Judiciário e Ministério Público em termos de inclusão. Ela destacou elementos, como reparação e representatividade, e chamou atenção para mudar o enfoque dessa política de modo que o foco das organizações e processos seletivos sejam voltados para uma política que contribua de modo efetivo no aprimoramento dessa política de igualdade racial. O estudo ‘Para além dos editais: cotas raciais no Ministério Público brasileiro’ analisou os resultados dos concursos para ingresso na carreira de promotor de justiça, promovidos entre 2017 e 2020. As autoras foram Amanda dos Santos, Cecília Santos, Irene Sousa, Karla Sousa, Lívia Vaz, Renata Oliveira, Samira dos Santos, Tanany dos Reis e Vanessa Machado, todas elas integrantes da Comissão Pérolas Negras, do Movimento Nacional de Mulheres do Ministério Público. Promotora de Justiça do Ministério Público do Paraná (MPPR), Amanda Santos destacou que apesar dos esforços a participação da população negra nos concursos ainda não ainda não apresenta o resultado esperado. “Ainda é muito tímido diante da necessidade de pluraridade no MP”, disse, ao argumentar que as disposições dos editais dos concursos ainda são um desafio para a implementação das cotas raciais. Amanda Santos e Irene Sousa, que apresentaram o tema no webinar, revelaram que somente quatro dos 11 estados, que fizeram provas prevendo a reserva de vagas, tiveram candidatos negros aprovados. Segundo elas, a reserva do mínimo de 20% das vagas foi observada em todos os concursos pesquisados feitos pelo Ministério Público, exceto na situação verificada no MP da Bahia, que previu 30% de negros. As autoras propuseram que o mínimo de 20% para reserva de vagas seja um critério subsidiário, e assinalaram que a reserva de vagas deve ser proporcional à composição racial da população do estado, a fim de aumentar a presença de pessoas negras no MP. Na esfera do Ministério Público do Trabalho (MPT), o webinar enfocou o estudo ‘Tecendo a diversidade de raça e gênero: análise da implementação de ações afirmativas para negros e negras voltadas para um Ministério Público do Trabalho mais colorido e plural’. Luísa Anabuki, coautora do estudo de caso junto com Cecília Santos, expôs o projeto implementado desde 2019 por um coletivo de procuradoras do Ministério Público do Trabalho (MPT), de modo voluntário e sem vinculação institucional, que visa aumentar a representatividade de mulheres negras na instituição. “A diferença entre os concursos analisados é a nota de corte no sistema universal que foi próximo ao mínimo do sistema de cotas”, disse, ao apontar a aprovação de duas candidatas do projeto no último concurso. “Na Justiça Federal, não houve atuação da Comissão de Autoidentificação, porque não se atingiu o percentual mínimo de 20%. O TRF 2, que alcançou 15%, foi o máximo atingindo em um certame”, comentou. No campo do Judiciário, o artigo ‘O sistema de cotas para negros nos concursos à magistratura: os resultados na Justiça Federal entre 2016 e 2019’, de Magali Dantas, analisou a implementação da ação afirmativa para acesso de negros e negras à magistratura federal a partir da adoção das cotas raciais, conforme a Resolução no 203/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Dantas revelou que, nos quatro concursos feitos nesse período, não houve aprovação de candidatos por meio das vagas reservadas a pessoas negras. “Uma das razões para esse cenário é que a reserva de vagas foi aplicada apenas na primeira fase do concurso, sem efeito nas fases seguintes”, assinalou. Com isso, todos os candidatos foram avaliados pelo critério de nota mínima, o que teria esvaziado a distinção entre aqueles da ampla concorrência e os da reserva de vagas. Dantas propôs a revisão e a flexibilização de critérios – nota mínima e nota de corte – bem como a mobilização da sociedade e apontou melhores práticas como, no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que criou grupo de trabalho para debater políticas judiciárias e, em 2021, realizou pesquisa sobre pessoas negras no Poder Judiciário. Também a defensoria pública do Rio Grande do Sul aprofundou o debate, ao ampliar o teto para 30% de reserva em todas as fases do concurso público e sem nota de corte para reserva. “Candidatos com nota mínima passam para a segunda fase, o que não ocorre na maior parte”, afirmou. A reserva de vagas para pessoas negras foi o foco do I Concurso Público Nacional Unificado para a magistratura do trabalho, abordado na palestra e artigo sobre ‘Custos de um concurso para a magistratura: uma análise a partir da perspectiva de inclusão racial’, de Tatiana Silva, André Campos, Adriana Avelar e Carla Araújo. Com base em pesquisa que investigou o perfil socioeconômico e demográfico e o desempenho dos mais de 13 mil candidatos, eles constataram o baixo preenchimento das vagas destinadas a pessoas negras. “Os candidatos enfrentaram uma complexa estrutura de custos financeiros e não financeiros, nas fases de preparação e efetiva participação nas provas, que não favoreceu a presença daqueles com menor renda nem de quem é optante pela reserva de vagas, evidenciando, mais uma vez, a sobreposição de fatores que obstam a efetividade da ação afirmativa”, disse Avelar. Ao comentar as palestras apresentadas ao final do webinar, o pesquisador do Ipea Antônio Teixeira Lima Junior afirmou que as instituições vêm mudando a percepção sobre o tema e o Bapi 31 contribui para o debate, ao apontar a baixa efetividade de ações afirmativas no mundo do trabalho, e mostrar as desigualdades cumulativas e dificuldades para sua superação, apesar dos avanços em outros setores da sociedade. “O mesmo não ocorreu no sistema de justiça em que a presença de negros é menor que o peso da população negra na sociedade brasileira”, disse. Ele ressaltou que o certame já começa com um corte anterior ao processo seletivo em função da desigualdade social. Ele não vê como avançar sobre efetividade da política sem discutir seu financiamento. “Não há política pública efetiva diante de desigualdade tão profunda, em que os custos da participação atingem R$ 36 mil, e são muito onerosos a cada certame, sendo que os candidatos precisam ter estrutura para viabilizar o acesso”, observou. Ao final, os palestrantes ressaltaram a importância de revisão da política de cotas que em vez do teto de 20% deve ter esse percentual com piso para reserva de vagas a candidatos negros. Destacaram também a importância do monitoramento dessas políticas no serviço púbico federal, tendo em vista o fim da vigência do sistema de cotas. “É importante pensar onde se chegar em termos efetividade por parte das instituições do Ministério Público e do Judiciário, diante da perspectiva do fim do regime de cotas”, concluiu Dias. Assessoria de Imprensa e Comunicação |
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